Blog do Buckeridge

PLATAR ÁRVORES OU NÃO, EIS A QUESTÃO | 11 de janeiro de 2009

Marcos S. Buckeridge (msbuck@usp.br)

Será que este é um bom conselho? Algumas pessoas, jornais, revistas, programas de rádio e de televisão estão “pregando” isto como a cura do aquecimento global.

Em princípio é verdade, pois as árvores realmente seqüestram carbono com grande eficiência, mas como isto tem que ser feito? Plantando a esmo? Em qualquer lugar? Qualquer tipo de árvore?

Há sites na Internet que calculam quantas árvores se deve plantar para “neutralizar” a sua emissão. Você acredita nisso? Acredita que os cálculos estejam corretos? Como isto é possível se ainda não sabemos a taxa de seqüestro de carbono por árvores tropicais?

Mais perguntas? Plantar onde? Árvores com qual arquitetura? Que taxa de crescimento?

São muitas perguntas não?

Não haveria problema em simplesmente desprezar estas perguntas se as conseqüências de um plantio de árvores sem qualquer critério não tivessem qualquer efeito adverso.

De fato, em alguns casos isto é perfeitamente válido e pode gerar não só o desejado seqüestro de carbono, mas também condições extremamente favoráveis à população urbana. Em março de 2007 o programa Repórter Eco da TV Cultura de São Paulo mostrou um exemplo de sucesso no plantio desenfreado. Sr. Antônio e Sr. João começaram a plantar árvores, e o fazem até hoje, no canteiro central da Av. Brás Leme na Zona Norte de São Paulo. Veja a reportagem, meu grupo estava lá. Hoje o resultado de 25 anos de plantio e cuidado com as plantas gerou um trecho extremamente agradável e bonito para se caminhar. E o hábito de caminhar evoluiu junto com o crescimento das árvores, o que mostra que nossos dois heróis urbanos não pensaram nos benefícios que as árvores teriam hoje.

Ter árvores no meio urbano tem prós e contras. Elas às vezes sombreiam demais o ambiente e, a noite, criam nichos para esconder ações condenáveis, como o tráfico e o consumo de drogas e prostituição nas ruas. Árvores podem cair sobre carros sem aviso e machucar pessoas. Elas jogam folhas e galhos na calçada, que são carregadas pelas enxurradas e adentram aos bueiros. Suas flores podem cair e fazer com que pessoas mais velhas escorreguem e se machuquem. Pior ainda, elas atraem insetos e lagartas que podem invadir as nossas casas e ainda por cima funcionam como suportes para muitas aranhas construírem as suas teias.

Tudo isto quer dizer que árvores são ruins para as cidades? Vamos ver o que há de bom em ter árvores no ambiente urbano:

Árvores diminuem a incidência da luz em mais de 90%, diminuindo a temperatura e a incidência de luz direta sobre quem caminha ou se exercita debaixo delas. Áreas com mais árvores, em São Paulo, por exemplo, podem ter a temperatura até 10oC abaixo de áreas não arborizadas no mesmo horário. Mas este efeito não é só direto sobre os humanos. Há uma cadeia de eventos que leva a benefícios coletivos inimagináveis.

Comecemos por lembrar o que acontece se colocarmos um ramo de qualquer planta em um saco plástico. Em pouco tempo se verá água sendo condensada. Se deixarmos para olhar no outro dia praticamente nem veremos mais o ramo, de tanta condensação dentro do saco plástico. Este é um fenômeno chamado de evapotranspiração. Uma única árvore de carvalho pode transpirar 150 mil litros em um ano, ou seja, uma média de 0,5 litro de água por dia por dia. Isto é pouco ou é muito?

Comparemos:  a primeira coisa a saber é que os estoques de água na atmosfera são tremendamente desiguais. Os oceanos, geleiras e outros corpos d´água em terra correspondem a 90% da água enquanto a evapotranspiração lida com apenas 10% da água. Sobrando uma fração assim tão pequena para as plantas manipularem, será que elas teriam alguma importância nas cidades?

As árvores que vemos todos os dias ao circularmos pelas cidades abrem bilhões de poros (os estômatos) em suas folhas e através deles, enquanto o CO2 entra, a água sai. Temos que lembrar que se o solo estivesse limpo ou todo asfaltado, o índice de evaporação seria máximo, diminuindo o tempo de residência de uma molécula de água para a ordem de minutos. No entanto, se a água penetrar no solo à sombra de uma árvore, a menor temperatura fará com o tempo de residência aumente consideravelmente. E não é só isso, se uma molécula de água for absorvida pela raiz da nossa árvore, ela terá que seguir um caminho extremamente longo por entre as células e tecidos do vegetal até chegar a um estômato e voltar para a atmosfera.  Nossa molécula de água poderá ficar então dias ou até semanas antes de conseguir sair.

É fácil de ver, portanto, que as árvores ajudam a reter a água.

Mas e as enchentes? Será que por ter mais água se aumentam as enchentes? Ao contrário! As raízes das árvores tornam o solo menos compacto e mais permeável. Com isto há mais espaço para a água. Se considerarmos que 70% da água que cai com as chuvas volta para a atmosfera se tivermos árvores, num raciocínio simplista, talvez isto signifique que, nas cidades, tenhamos 30% a menos de probabilidade de ter enchentes somente devido à presença de árvores? Obviamente não, pois não há como tomarmos todos os espaços da cidade com árvores, mas se considerarmos que as enchentes são aumentos nos níveis de água em lugares mais baixos antes que haja drenagem para os rios, a existência de árvores ao longo do percurso que a água (Matas Ciliares) faz para escorrer e chegar às bacias de drenagem devem ajudar consideravelmente!

No quesito saúde humana, as árvores podem ser mais prós do que contras. É certo que o plantio de poucas espécies leva a uma inundação da cidade com pólen de um único tipo e os alérgicos podem sofrer com isto. Mas isto talvez possa ser minimizado com o plantio de maior diversidade de árvores.

Um ponto que será crucial com as mudanças climáticas por vir é que o aumento esperado na temperatura poderá causar vários tipos de enfermidades, incluindo infecções se a temperatura passar de um determinado limiar. Além dos problemas de saúde, gastaremos uma verdadeira fortuna para equipar e manter hospitais e serviços médicos para a proporção maior de idosos que deveremos ter por volta de 2050. Com o plantio de árvores agora e de forma estratégica, estaríamos garantindo  a minimização dos impactos negativos causados pelo aumento de temperatura nos próximos 20-30 anos.

Além dos efeitos diretos, tem sido mencionado constantemente que pessoas que vivem em cidades arborizadas têm menor tendência ao estresse e à depressão, o que equivale a dizer que uma cidade arborizada seria mais tranqüila e mais feliz. Se considerarmos os gastos que não teremos para tratar de enfermidades resultantes do estresse, temperatura e depressão, seríamos também coletivamente mais ricos!

Mas calma, não saia já plantando árvores por aí. O plantio de uma árvore é algo que deve ser planejado. Você pode estar comprando um cão da raça São Bernardo para viver com você e sua família em um apartamento de 50 metros quadrados. É preciso pensar bem e, principalmente, aprender mais sobre o assunto. Em primeiro lugar é preciso conhecer ao máximo sobre a espécie que se quer plantar. É uma planta de sombra ou de sol? Cresce rápido ou lentamente? Qual o tamanho final? Como tem que ser podada enquanto cresce? Como se comportam as raízes e ramos? Qual a densidade da madeira? Perde total ou parcialmente as folhas? Quando dá flores? Os frutos são muito pesados?

Tudo isto é importante para que se acompanhe o desenvolvimento da árvore. E isto quer dizer que não adianta sair por aí jogando sementes e plantando árvores de qualquer tipo em qualquer lugar. Você pode estar plantando em seu jardim (ou no do vizinho) uma espécie de árvore que irá desenvolver as raízes até atingirem sua tubulação de esgoto. A mesma árvore poderá atingir os fios que lhe fornecem energia e produzir frutos tão pesados que ao caírem amassarão o teto de seu carro. O resultados aí serão desastrosos, pois daqui a alguns anos seu carro viverá amassado, você ficará sem banheiro em algum momento (e terá que reformá-lo) e sob risco de ficar sem energia elétrica após tempestades. Nesse caso, sua decisão de matar a árvore será pautada pela defesa de seus bens e os riscos aos seus familiares.

É preciso, portanto, planejar antes de plantar uma árvore. Tão importante quanto a ação de plantar é a de adquirir a responsabilidade sobre ela, o que significa acompanhar o desenvolvimento, podar, adubar etc. É provável que as prefeituras assumam uma parte desta responsabilidade no futuro, mas ainda assim, os habitantes no entorno têm que compreender que se trata de um ser vivo e que merece carinho e cuidados similares aos de um animal de estimação. 

Post Scriptum – se quiser ler outro artigo (Abrindo o guardachuva verde) ao qual este deu origem, veja na minha coluna Neotropias no site da Revista FAPESP. Veja também algumas informações interessantes sobre design consciente e o site da A3SP


1 Comentário »

  1. […]  Para saber mais sobre a árvore dentro das cidades, leia o texto de Marcos Buckeridge – ver texto […]

    Pingback por A importância da árvore dentro de uma cidade como São Paulo « Árvores de São Paulo — 12 de janeiro de 2009 @ 19:48


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